Inicia-se aqui uma nova experiência no mundo da blogosfera. Escrever é um dos mais complicados meios de expressão - o modo reflecte o sentido, a forma, o sentimento e o conteúdo daquilo que se pensa e o confronto com essa realidade discursiva não é, por vezes, o mais fácil - nomeadamente quando o objectivo é explanar, de forma o mais perfeita possível, as ideias que vou construindo e cimentando. Daí que escrever é 90% de transpiração/dedicação e 10% de inspiração. É neste sentido que vou nortear esta experiência - elevar a exigência para que possa, de forma clara e concisa, viajar da doxa à episteme e dar a conhecer aquilo que penso sobre os mais diversos assuntos que pululam na sociedade contemporânea - nomeadamente, ao nível político, nacional e internacional.
Após o prólogo, cumpre-me justificar o título deste texto. De minimis non curat lex significa que o direito não se preocupa com coisas insignificantes. No seguimento do que o Repórter Zero vem afirmando nas suas crónicas, seria óbvio aceitarmos que esta descrição cabia que nem uma luva ao sistema judicial português. Contudo, não é esse o sentido que quero dar a esta crónica.·
De facto, um sistema de justiça que pratique a imparcialidade e a razoabilidade deverá concentrar-se nas temáticas importantes e deixar as minudências que tornam os tribunais em meros depósitos de processos em que a justiça se torna difícil de prosseguir e em que o direito é um mero instrumento administrativo para não se cumprir justiça. Ora, nestas condições os juízes, que muitas vezes esquecemos que constituem um órgão de estado, não têm as condições necessárias para prosseguir a justiça e o cumprimento do direito torna-se num caminho demasiado tortuoso.·
Logo, não me parece que sejam as magistraturas, quer a judicial quer o ministério público, as principais responsáveis pelo actual estado da justiça em Portugal. As acções culposas que lhe possam ser imputadas são apenas as de ter uma difícil relação com a comunicação social, pois fala-se demasiado em vários processos que ainda se encontram em instrução, provocando um alarido público contrário à busca da verdade, plasmada em indícios, que deve de anteceder qualquer tipo de julgamento. Esta relação, marcada por declarações infelizes de demasiados actores principais nas cenas da justiça portuguesa (Procurador-Geral da República; as Procuradoras-Gerais Adjuntas Cândida Almeida - Directora do DCIAP - e Maria José Morgado; o Bastonário da Ordem dos Advogado, Marinho Pinto, etc.), tem trazido a justiça para a rua, transformando processos em fase instrutória em julgamentos sumários, nos quais qualquer pessoa pode ser arrastada para a lama sem que seja provada a sua culpa. No fim, a inversão do ónus da prova, em que de presumível inocente se passa para irreversível culpado, a justiça fica apenas como o soundbyte, do qual é despojado o conteúdo e a alquimia do julgamento.
É óbvio que não somos ingénuos. O sistema judicial português tem problemas por assentar em legislação intrincada, em que a forma substitui o mérito, o que leva ao retardamento, sine die, da conclusão de muitos processos importantes, em que um qualquer bom advogado, que conheça a teia legislativa, consegue escapar a qualquer condenação com base em questiúnculas processuais, que desgastam, consomem e marginalizam os juízes.
Por outro lado, os agentes de justiça não têm a mínima ideia de coesão interna, dando-se ao luxo de colocar no ágora os seus conflitos - advogados contra juízes; polícias contra magistrados do ministério público; ministério da justiça contra oficiais e funcionários judiciais; PGR contra legisladores... A luta fratricida entre todos estes agentes permite, a todos aqueles que prevaricam, passarem no intervalo das gotas da chuva e tornam o sistema judicial em algo demasiado poroso para um órgão que, não sendo secreto, deve primar pela descrição. Aproveitam os jornaleiros do burgo, que aproveitam para fazer umas parangonas com as caricaturas que são apresentadas pelos próprios agentes judiciais... Aproveita o Governo, dado que o nosso sistema semi-presidencialista lhe dá o palco suficiente para se assumir como déspota em democracia, um primus inter pares, que se reforça com a descredibilização com um dos pêndulos do sistema político... Perde a democracia, porque os cidadãos não estão protegidos contra o Estado -quer porque os tribunais estão atafulhados de processos que não têm importância, quer pelo facto do Governo poder viver em roda livre, numa postura que pode ser quase ditatorial, dependendo do ciclo político em que se esteja a viver...
Glosando, apenas quero fazer um alerta para que não se coloque em causa a honestidade dos juízes, para que se acredite civicamente no sistema de justiça e para que, enquanto cidadãos, possamos exercer o nosso direito de controlo - tomando os nosso deveres e direitos cívicos na sua plenitude e não enquanto uma mera missa dominical de periodicidade olímpica!
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
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